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sexta-feira, 17 de junho de 2005

A voz e a vez do Paulo

A carta que o Público pôde e quis publicar:

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    PEQUENOS DITADORES


Do passado vêm-nos memórias e relatos do autoritarismo e da violência arbitrária dos professores na sala de aula.Detentores de um saber censurado, ameaçando com o objecto correctivo na mão, os professores obrigavam o amedrontado aluno a reproduzir o que ditavam, colaborando desse modo para a manutenção da ordem, a partir do seu estrado. Era o tempo em que o estatuto social do professor era equivalente ao do médico, do padre e do juiz, o tempo em que a autoridade não se questionava.

Felizmente, o 25 de Abril e uma nova concepção do que deveria ser a educação vieram mudar este cenário. E, no entanto, passados trinta anos dessa data, assistimos a um estado de coisas cada vez mais generalizado e preocupante em que os papéis quase se inverteram. O autoritarismo e a violência são agora o triste e inquestionável privilégio dos alunos. Não já o autoritarismo e a violência antigos, obviamente, mas esses com novas formas. E desde logo sob a forma de questionamento do binómio ensinar-aprender. De facto, são cada vez mais os alunos que põem em causa a pertinência do que o professor lhes tem a transmitir. Isto poderia constituir uma atitude desejável, não fosse essa uma atitude de princípio sem reflexão alguma a sustentá-la. Conclusão: está a tornar-se natural o aluno recusar-se a aprender a priori! Porque aprender é aborrecido e tudo o que implica esforço deve ser rejeitado liminarmente. A escola tornou-se assim uma instituição obsoleta, uma espécie de castigo social a que se têm de sujeitar os pobres dos alunos (é como vítimas que muitos se vêem) para poderem ingressar na vida activa. Aliás, como em seu entender têm acesso a toda a informação útil e interessante por outras vias, os alunos sentem que não precisam da escola para nada. O que a escola lhes dá são «secas». E expressam-no com veemência na sala de aula. Mas não se ficam por aqui. Socorridos pela cultura da «palmadinha nas costas» ou «das festinhas no ego» promovida pelas Psicologias, apoiados – e muito – pela desresponsabilização dos pais, os alunos dão-se ao luxo de questionarem constantemente as metodologias e propostas dos professores, por não serem – dizem eles – suficientemente motivadoras! (Por eles, veriam filmes todos os dias.) Com mais ou menos diálogo, com mais ou menos interacção, assumirem que o papel do aluno é o de aprender é coisa que não lhes passa pela cabeça. Ou seja, à ignorância juntam a arrogância, que mais não é que o orgulho de se ser ignorante.

Sabemos por que isto acontece.
Entre outras razões, a massificação do ensino, fruto da democracia, não soube corresponder aos desafios que a sociedade da imagem e da informação constitui para a própria democracia. Por outro lado, perdeu-se (se é que alguma vez existiu) a consciência de que a escola não é apenas uma fornecedora de informação, mas sobretudo de critérios de tratamento dessa informação, ou seja, a consciência social de que a escola forma cidadãos e não apenas profissionais. Depois, a conhecida situação precária de milhares de professores contratados, leccionando um ano em cada escola, contribui para a degradação da imagem e estatuto social do professor – também junto dos pais dos alunos –, ao ponto de se ter tornado natural a ridicularização da docência em séries televisivas como «As Lições do Tonecas» ou, muito mais perversa, «Zero em Comportamento». Há outras razões, claro, mas estas são suficientes.

O assunto é grave. E não apenas pelas notícias que vêm a público de ofensas verbais e físicas perpetradas por alunos e pais de alunos contra professores. Isso são sintomas gravíssimos, mas sintomas. A questão é: que cidadãos e cidadãs estamos a formar? Ou pior: que coisa monstruosa se estará a formar nestes pequenos ditadores? No fundo: que sociedade estamos a criar?

    Paulo Carvalho, Cacém,
    professor em Ourém.


 
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