Mais do mesmo

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sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Mimi

Corria uma aragem fresca e suave, balouçando as folhas e as ervas altas com um ritmo repousante...
A pequena larva espreitou, ensonada, abrindo um olho a custo por causa da luz diáfana que rompia por entre as folhas.
Respirou fundo, encolheu-se, voltou a respirar, suspirando, fechou os olhos e deixou-se embalar por aquele som que parecia vir de muito longe e que lhe acariciava o corpo com a ternura de mãos de mãe.
«Como era bom ir lá abaixo e rebolar-me naquela erva fresca» - pensou.
Mas um medo misterioso prendia-lhe o corpo quando pensava em descer ao mundo.
Tudo era lindo e maravilhoso e cada coisa parecia ocupar o seu lugar, harmoniosamente. Tudo a convidava a tomar parte, a participar, a imiscuir-se naquele mundo espectacular de cores e cheiros... mas pensava que era demasiado frágil e feia para pertencer a um meio tão forte e bonito.
Estava tão bem ali no seu cantinho, seguro e confortável!...
- Mimi! Mimi!
Um arrepio percorreu-lhe o corpo, despertando-a dos seus pensamentos monocórdicos.
- Olá! Sou eu, o Nandito!
Nandito era um gafanhoto que não parecia pertencer àquele mundo calmo e harmonioso. Era irrequieto e não parava um instante, saltando de flor em flor, enchendo os pulmões de vida, cor e cheiros como se no minuto a seguir não o pudesse fazer.
- Olá, Nandito! Que fazes?
- Que faço?!... Ora, que faço! Salto, brinco, vivo! Anda, vem comigo! O dia está demasiado bonito para que se desperdice fechado numa masmorra!
Mimi sorriu a custo, pois na sua alma dividida, a luta entre o medo e o gosto pela vida era cruel e intensa.
Nandito era um bom amigo, um bom companheiro, o único que a achava linda, que a incentivava a sair do seu casulo e a mergulhar naquele mundo multicolor onde o prazer parecia morar em cada pétala, em cada folha...
Mas o que haveria por detrás de cada pedra, de cada caule?
Será que aquela beleza que parecia interminável não escondia algo de mau e feio?
Nandito falara-lhe, durante horas intermináveis, de tudo o que fazia parte daquele campo, de cada perigo possível, como os evitar, como lidar com eles, ensinara-lhe que a vida era algo que só podia viver uma vez e que perigo nenhum justificava o medo, o enclausuramento, a renúncia ao gozo.
A dor do vazio, a abstenção do riso e a ausência de vida num rosto jovem e bonito é que eram os males terríveis a evitar.
«Mas eu sou tão feia! Todos se vão rir de mim!»
- Mimi! Anda, vem comigo! Vamos ao charco que fica junto das margaridas!
- Vai tu, Nandito! Eu estou bem aqui, estou feliz só de poder ver tudo isto aqui do alto!
- Mimi! Que dizes tu? Ver do alto? Ora, vem cá abaixo, vem participar, vem abrir-te ao mundo, vem ver os outros de perto, vem deixar que eles te toquem e gostem de ti! Vem, preciso de ti aqui, junto de mim! Vem fazer parte do «meu» mundo!
- Não posso! Não consigo! Desculpa!...
Nandito ficou a olhar, sentindo que não podia obrigá-la a sair do casulo. Já tinha feito tudo o que podia para a convencer que devia mudar de atitude.
Gostava tanto dela, era tão bom quando desfrutava da sua companhia, sentia-se, até, um pouco desajeitado quando ela sorria e dizia que ele era o único e verdadeiro amigo que tinha!
Tristonho, encolheu os ombros e começou a saltitar em direcção ao charco.
Foram passando os dias, mas nada mudou na atitude de Mimi. A cada convite de Nandito seguia-se uma resposta negativa.
Certo dia, em que o Sol estava quente e luminoso como nunca, Nandito resolveu tentar novamente arrancar Mimi do seu isolamento.
- Mimi! Sou eu, o Nandito! Vem cá fora!
Mimi espreitou, cautelosamente.
- Olá! Vens comigo ao charco? Está um dia particularmente bonito!...
- Sabes, estou um pouco tonta, hoje. Não passei bem a noite e...
Nandito saltou para junto do casulo de Mimi.
- Mas não te sentes bem? - perguntou, com ar preocupado.
- Sim, mas... que foi? Que estás a ver?
Nandito estava de boca aberta e olhos esbugalhados. Mimi estava deslumbrante, espantosamente bonita. Um milagre tinha acontecido: estava transformada numa linda borboleta, com umas asas felpudas e incrivelmente coloridas!
Lentamente, Nandito recuperou do espanto em que mergulhara.
- Vês?! Que te dizia eu? Tu és bonita, és a mais bonita borboleta de todo o prado!
Mimi, igualmente surpreendida, ia tomando consciência da nova realidade.


 
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